Política Internacional setembro 20, 2025

OTAN em alerta: Trump chama violação do espaço aéreo da Estônia por jatos russos de 'grande problema'

Nathalia Carvalho 0 Comentários

O que aconteceu no Báltico

Doze minutos bastaram para transformar um sobrevoo em crise. Três caças MiG-31 da Rússia cruzaram o espaço aéreo da Estônia sobre o Golfo da Finlândia, sem autorização, de acordo com o governo estoniano. O episódio ocorreu na sexta-feira e elevou a tensão numa região em que radares vivem no limite. Em Washington, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chamou o caso de “um grande problema” e disse que seria informado em breve para decidir os próximos passos.

Trump afirmou não ter todos os dados, mas deixou claro o incômodo. “Não gosto nada disso. Pode ser um grande problema. Vou analisar a situação. Vou receber um briefing e falo ainda hoje ou amanhã”, disse a jornalistas quando questionado se via a incursão como ameaça direta à aliança atlântica.

Segundo um funcionário da aliança que pediu anonimato, caças F-35 da Itália, destacados na missão de patrulha aérea do Báltico, foram acionados para interceptar os MiG-31. Essa missão, conduzida em rodízio por países aliados desde 2004, mantém aeronaves em prontidão nas bases de Šiauliai (Lituânia) e Ämari (Estônia) para responder em minutos a qualquer intrusão ou perda de comunicação com aeronaves próximas ao espaço aéreo da aliança.

Em Tallinn, a reação foi rápida. O governo estoniano classificou a ação russa como “descarada” e acionou o Artigo 4 do tratado, que permite consultas urgentes entre os membros quando algum deles se sente ameaçado. O ministro da Defesa, Hanno Pevkur, disse que as forças estonianas e aliadas acompanharam rota, comunicações, reação dos pilotos e os sistemas de armas a bordo, e avaliaram que não havia necessidade de abater as aeronaves.

No sábado, as autoridades estonianas reforçaram que não veem motivo, por ora, para invocar o Artigo 5 — a cláusula de defesa coletiva, que trata um ataque a um aliado como ataque a todos. A Estônia alegou que a incursão durou 12 minutos, um tempo longo para padrões desse tipo de ocorrência e suficiente para acionar interceptadores e registrar cada etapa do voo, do rumo às altitudes.

Moscou nega. Em nota publicada online, o Ministério da Defesa da Rússia disse que seus caças permaneceram sobre águas neutras do mar Báltico, “a mais de 3 quilômetros da ilha de Vaindloo”, pequena ilha estoniana próxima a rotas marítimas. Essa versão contrasta com a acusação de Tallinn, que se baseia no limite de 12 milhas náuticas para o espaço aéreo sobre o mar territorial. A referência russa a “3 quilômetros” sugere disputa sobre a rota exata ou sobre os parâmetros usados para medir a distância em relação ao território estoniano.

O caso não é isolado. É a terceira violação relatada em duas semanas dentro da área de responsabilidade da aliança, depois de incursões de drones russos no espaço aéreo da Polônia — que levaram a decolagens imediatas da Força Aérea polonesa — e de um episódio semelhante na Romênia. Em Londres, o governo britânico pediu aumento da pressão sobre Vladimir Putin e defendeu novas sanções políticas e econômicas.

Por que isso importa? Porque o Báltico virou um tabuleiro apertado. A Estônia faz fronteira com a Rússia e vigia um corredor aéreo estreito no Golfo da Finlândia, ponto sensível entre Tallinn e Helsinque, com proximidade da região de São Petersburgo. Qualquer desvio de rota, transponder desligado ou aeronave que não responde a controladores aéreos vira gatilho para interceptação. O MiG-31, um interceptor supersônico de longo alcance, voa alto e rápido. Quando uma formação cruza uma linha, mesmo que por minutos, a leitura automática é de teste aos tempos de resposta e aos sistemas de defesa da aliança.

Como a OTAN pode responder

Como a OTAN pode responder

Ao acionar o Artigo 4, a Estônia pede que os embaixadores dos 32 países se reúnam com urgência. Esse encontro, em geral em Bruxelas, serve para compartilhar dados técnicos, ouvir avaliações militares e calibrar a resposta. As opções vão de reforçar o policiamento aéreo e a vigilância com aeronaves de alerta antecipado, como AWACS, ao envio de mais meios de defesa antiaérea e naval para a região.

O Artigo 5 — que não foi acionado — é outra história. Ele trata de ataque armado, com intenção clara. Ao manter a reação no Artigo 4, Tallinn sinaliza que quer unidade política e pressão coordenada, mas sem cruzar a linha que dispara obrigações militares automáticas. É a mesma ferramenta que Turquia, Polônia e os próprios países bálticos já usaram em momentos de alta tensão desde 2014, após a anexação da Crimeia.

Militarmente, o padrão se repete: aeronaves da aliança decolam em alerta, sob regras de segurança rígidas, fazem identificação visual, registram fotos e vídeos da aeronave intrusa, checam se há transponder ligado e tentam estabelecer contato por rádio. Se o piloto responde, recebe instruções para sair do espaço aéreo. Se não, a escolta prossegue até o limite. Decisões escalatórias — como disparar um flare, fazer manobra de advertência ou, no extremo, abater — dependem de avaliação em tempo real de ameaça, armamento visível e comportamento do piloto.

No campo político, Londres já colocou a carta das sanções na mesa. Qualquer movimento desse tipo tende a envolver coordenação com a União Europeia, que responde pela maior fatia das medidas econômicas contra Moscou desde 2022. Entre os alvos possíveis estão restrições a setores tecnológicos, ampliação de listas de indivíduos e empresas e controles mais duros sobre itens de uso dual, que têm emprego civil e militar.

Há também o debate sobre riscos de erro de cálculo. Incursões repetidas, mesmo curtas, aumentam a chance de um encontro tenso virar incidente. Controladores cansados, pilotos sob pressão, radares congestionados — tudo isso compõe um cenário em que segundos valem muito. É por isso que aliados insistem em regras de segurança previsíveis: plano de voo, transponder ligado, contato com controle civil quando sobrevoam áreas próximas a fronteiras, sobretudo no Báltico e no Mar Negro.

Para a Estônia, país com pouco mais de 1,3 milhão de habitantes, a mensagem ao acionar o Artigo 4 é dupla: pedir respaldo político e mostrar que o sistema de vigilância funciona. Tallinn destacou que monitorou “com confiança” a rota, a comunicação e até a configuração de armamento dos jatos russos, o que indica uma malha de sensores madura e coordenação com os aliados.

Do lado russo, a negativa segue o roteiro habitual, ressaltando que os voos ocorreram em “águas neutras” e que não houve violação de fronteira. Essa narrativa é comum em episódios na região, sobretudo quando aeronaves militares voam perto do limite das 12 milhas náuticas ou cruzam áreas onde corredores aéreos civis e rotas militares ficam próximos.

O próximo capítulo depende, em parte, do que sair das consultas do Artigo 4. A aliança pode decidir por mais caças em prontidão na base de Ämari, patrulhas adicionais no Golfo da Finlândia e o envio de aeronaves de alerta antecipado para cobrir lacunas de radar, além de exercícios de defesa aérea de maior escala. Os aliados também podem divulgar publicamente dados de voo — como trilhas de radar e imagens — para sustentar a acusação de violação, prática usada em incidentes anteriores para aumentar a pressão diplomática.

Enquanto isso, o recado político já foi dado. Ao chamar o caso de “grande problema”, Trump sinalizou que Washington acompanha de perto a escalada no Báltico. Se os últimos dois anos servirem de referência, a tendência é de resposta coordenada: mais vigilância, mais transparência de dados e, se for o caso, mais sanções. A fronteira aérea da OTAN no Báltico segue sob teste — e cada minuto no radar conta.